A Origem da ROTA. Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar

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Por Márcio Santiago Higashi Couto 

Em 15 de Outubro de 2020, a Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), irá comemorar 50 anos de seu surgimento. Para conhecermos como se deu este processo, precisamos recuar no tempo, até a fundação da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Em 30 de agosto de 1831, a Regência brasileira, que governava o Brasil, aguardando a maioridade de Dom Pedro II, autorizou a criação da Guarda Municipal Permanente, que na prática, seria uma força militar estadual.

Uma das forças criadas, nessa época, foi o Corpo de Guardas Municipais com voluntários a pé e a cavalo, na província de São Paulo, por seu presidente (como era chamado na época o governador), o Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, em 15 de dezembro de 1831 e que deu origem a atual Polícia Militar do Estado de São Paulo (Camara, 1982).


Figura 1. O Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar
(Fonte: Centro de Comunicação Social da PMESP.)

Em 1º de dezembro de 1891 foi inaugurado um novo quartel, na Avenida Tiradentes, bairro da Luz, na cidade de São Paulo, construído especificamente para a Força Pública, projeto do conceituado arquiteto Ramos de Azevedo. Lá foram sediados os 1º e 2º Corpos Militares (batalhões). O 1ºCorpo Militar atualmente é o 1ºBatalhão de Polícia de Choque “Tobias de Aguiar”, sede da ROTA. O 2ºCorpo Militar, atualmente é o 2ºBatalhão de Polícia Militar Metropolitano “Herculano de Carvalho e Silva”, o “Dois de Ouro”.

Em 1º de dezembro de 1951, através do decreto 20.986, o 1ºBatalhão de Caçadores da Força Pública, passou a denominar-se “Batalhão Tobias de Aguiar” (BTA), ostentando, a partir de então, o nome do patrono da Milícia Bandeirante.

Após o início do governo militar no Brasil, em 31 de março de 1964, movimentos de orientação socialista e comunista passaram a promover algumas ações contra o regime, e passaram a fazer ações de guerrilha e terrorismo urbano, como ataques a alvos militares, para conseguir armas, além de realizarem ataques com bombas, sequestros e roubos a banco, para conseguir fundos, para financiar suas atividades.

No segundo semestre de 1969, a 1ªCompanhia de Policiamento Auxiliar (CPA), do BTA, comandada pelo então Capitão Iser Brisolla, permaneceu responsável pelo controle de distúrbios civis, e a 2ªCPA, comandada pelo então Capitão Milton Silva Calciolari, e depois pelo Capitão Edmundo Zaborski, foi encarregada de realizar a “ronda bancária” na área de responsabilidade do 1ºBatalhão “Tobias de Aguiar”, no centro da cidade de São Paulo.

Para realizar essa “ronda bancária”, a tropa do BTA utilizou, inicialmente, dois jipes Willys e duas pick-ups Chevrolet C15, de capota aberta. Estas viaturas C15 possuíam, além dos bancos para o motorista e o passageiro da frente, dois bancos de madeira, na carroceria, cada banco com capacidade para transportar quatro militares, selecionados, bem armados e equipados e com a missão de, se necessário, combater os guerrilheiros que efetuavam roubos a banco.

Em 12 de novembro de 1969 assumiu o comando do 1ºBatalhão Policial “Tobias de Aguiar” o Tenente Coronel Salvador D’Aquino, e reconhecendo que a “ronda bancária “ do BTA, havia surtido efeito, para inibir os roubos a banco, na área onde atuava, resolveu melhorar e ampliar este serviço, oficializando a Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar.

Desta forma, segundo documentação coletada pelo Coronel Telhada (2011), em 27 de janeiro de 1970, por ordem do Ten Cel D’Aquino, o Capitão José Vicente Marino, Oficial S3 (encarregado do planejamento) da Unidade e o auxiliar S3, 1º Tenente Milton Ferreira de Souza, elaboraram o documento chamado de Plano de Execução: ROTA- Ronda Ostensiva “Tobias de Aguiar”. .

A análise da situação da segurança pública, na época, ameaçada pelos grupos de terroristas, que agiam com muita violência e poder de fogo, o aparecimento de grupos de marginais comuns, que passaram a se organizar, exigiram a criação de um grupo policial, melhor treinado, armado e equipado.

Este Plano de Execução para a Ronda Ostensiva “Tobias de Aguiar”- ROTA, de 27 de janeiro de 1970, foi encaminhado ao Comandante Geral da Polícia Militar, para aprovação. Em 9 de março de 1970, A Ordem nº24-210.Op, do Chefe do Estado Maior da Polícia Militar do Estado de São Paulo, assinada pelo Coronel Altino Magno Fernandes (que havia sido Comandante do Batalhão “Tobias de Aguiar”, até alguns meses antes), aprovou o plano.

Em abril de 1970, guerrilheiros, liderados pelo ex-capitão do Exército Brasileiro, e desertor, Carlos Lamarca, organizaram uma área de treinamento de guerrilha, no Vale do Ribeira, no Estado de São Paulo, região inóspita, montanhosa, esparsamente habitada e com muita vegetação.

As forças do Exército começaram a vasculhar a área, fazendo algumas prisões. Alguns guerrilheiros conseguiram fugir da região, mas Lamarca e alguns outros, permaneceram escondidos na mata.

Assim, o 2º Exército montou uma grande operação de busca, com efetivo do Exército, Força Aérea e Marinha, e da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Além do efetivo da região (7ªCompanhia Independente, em Registro), a PMESP reuniu efetivo de batalhões da capital, para enviar à região, entre eles, estavam homens do 1ºBatalhão Policial “Tobias de Aguiar”. E parte desse efetivo, pertencia à Ronda Ostensiva “Tobias de Aguiar” – ROTA (Telhada,2011).

Em 28 de abril, seguiu para a região do Vale do Ribeira, o efetivo do BTA, com um capitão, quatro tenentes e 80 praças. Alguns dias depois, outra tropa do BTA, seguiu para a região, em 1º de maio de 1970, sob o Comando do Capitão Carlos de Carvalho e dois pelotões, comandados por tenentes. Um deles era o 1ºTenente Dalmiro Gomes e outro, o 2ºTenente Alberto Mendes Junior, que trabalhou, efetivamente, como comandante de pelotão, na 2ªCompanhia de Policiamento Auxiliar, onde foi um dos Oficiais responsáveis pela implantação da Ronda Ostensiva “Tobias de Aguiar” – ROTA.

No dia 8 de maio de 1970, o Tenente Mendes Júnior, liderando uma patrulha do BTA, em apoio a outros policiais militares, que foram atacados pelos guerrilheiros, no caminho para a cidade de Eldorado, foi emboscado, e no tiroteio que se seguiu, vários policiais ficaram feridos e, juntamente como o Tenente Mendes Júnior, foram feitos prisioneiros, por Lamarca e seus homens.

Mendes Junior negociou então com Lamarca, para poder socorrer os feridos mais graves para uma cidade próxima, senão eles morreriam. Lamarca autorizou o Tenente Mendes a levar os feridos, mas o restante dos prisioneiros, ficariam como reféns, aguardando Mendes Junior retornar, senão seriam mortos.

O Tenente Mendes então socorreu os feridos, e, apesar das súplicas dos policiais militares para quem os entregou, para que não voltasse para os guerrilheiros, disse que precisava ir, senão eles seriam mortos.

Quando retornou para junto do restante de sua tropa, Mendes Junior foi aprisionado novamente, e seus homens liberados. Os guerrilheiros entraram então no mato, para fugir ao cerco. O Tenente Mendes, atrasava o ritmo da fuga dos guerrilheiros. Estes, com medo que ele fugisse ou gritasse e denunciasse a posição onde eles estavam, decidiram executá-lo. Para não fazer barulho com tiros, assassinaram o jovem Tenente com golpes de coronha de fuzil, que estraçalharam seu crânio, e o enterraram em uma cova rasa.

A maioria dos guerrilheiros conseguiu fugir ao cerco. Com a prisão de um deles, meses depois, somente em setembro de 1970, o corpo do Tenente Mendes Júnior foi localizado. No dia 11 de setembro de 1970, o corteja fúnebre, com o caixão levado em um caminhão do Corpo de Bombeiros, deixou o Quartel da Luz, sede do 1ºBatalhão “Tobias de Aguiar” e dirigiu-se para o Cemitério do Araçá, sendo o enterro acompanhado, segundo jornais da época, por quase cem mil pessoas.

Figura 2. O 2ºTenente Alberto Mendes Junior. Morto no cumprimento do dever, em 10 de maio de 1970, durante a guerrilha do Vale do Ribeira. Promovido postumamente à Capitão PM. Herói da Polícia Militar do Estado de São Paulo e um dos Oficiais pioneiros da ROTA.
(Fonte: Comunicação Social da PMESP)

Por estes motivos, embora oficialmente autorizada a funcionar, dede 12 de março de 1970, a Ronda Ostensiva “Tobias de Aguiar” – ROTA, necessitou ser reorganizada e em 15 de Outubro de 1970 foi elaborada a Nota de Instrução nº 01-010, assinada pelo Major PM Roberto Salgado, Subcomandante do Batalhão “Tobias de Aguiar” e pelo 1ºTenente PM Albino Carlos Pazelli, oficial P3 interino. Esta nota, em seu conteúdo, praticamente repetia o que havia sido planejado na documentação anterior, de 27 de janeiro de 1970. Desde modo, a data escolhida como aniversário da Ronda Ostensiva “Tobias de Aguiar” – ROTA, foi a de 15 de Outubro (Telhada,2011).

Assim, as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar -ROTA, estão comemorando seus 50 anos em 15 de outubro de 2020. Como acontece com algumas pessoas, ou instituições, podem existir algumas diferenças entre o efetivo nascimento ou criação, e o registro “oficial”, com alguns dias, meses e até anos de diferença.

Não pretendemos fazer aqui um revisionismo histórico sobre a data oficial de aniversário da ROTA, até porque, explicamos, durante o texto, os motivos de haver sido escolhido o dia 15 de outubro.

Mas um ponto importantíssimo, que precisa ser reconhecido e divulgado de forma ostensiva, como fato histórico, é que o 2ºTenente Alberto Mendes Junior, morto no cumprimento do dever e promovido postumamente, a Capitão PM, além de ter sido Oficial do 1ºBatalhão Policial “Tobias de Aguiar”, foi um dos pioneiros da Ronda Ostensiva “Tobias de Aguiar” – ROTA. Em honra à sua memória, e dos que serviram com ele, é necessário este reconhecimento.

Este trabalho procurou seguir um padrão de pesquisa historiográfica, baseado nas pesquisas bibliográfica, documental e em entrevistas com pessoas que viveram aquele período.

Agradeço profundamente ao Coronel Antonio Chiari, presidente da Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo (AOPM), um dos pioneiros da ROTA, tendo chegado ao Batalhão “Tobias de Aguiar”, como Aspirante a Oficial, em 1968, e acompanhou o surgimento da “ronda bancária” e da ROTA, além de ter se deslocado para o Vale do Ribeira, tendo vivido pessoalmente todos os fatos aqui narrados. Além disso, o Coronel Chiari foi comandante do 1ºBatalhão de Polícia de Choque “Tobias de Aguiar”, de 4 de novembro, de 1991 até 5 de outubro de 1992. Graças ao incentivo dele, este trabalho foi desenvolvido.

A Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar- ROTA, enfrenta hoje, desafios tão ou mais complexos dos que levaram ao seu surgimento, em 1970. O crime organizado utiliza a organização e técnicas aprendidas com os movimentos terroristas subversivos, nos anos de 1970.

Grupos de 20, 30 e até 40 marginais se organizam para atacar carros fortes, empresas de transporte e até mesmo aterrorizar cidades do interior de São Paulo, atacando quarteis e delegacias, incendiando carros, atacando até quatro agências bancárias, ao mesmo tempo e aterrorizando a população. Utilizam coletes a prova de balas, rádios, veículos blindados, explosivos, granadas, metralhadoras calibre .50 e enfrentam as guarnições de policiamento de área, e, infelizmente, as vezes causam baixas fatais, entre nossos irmãos patrulheiros.

A ROTA chega aos seus 50 anos, atendendo a necessidade para a qual foi criada. Servir e proteger a sociedade paulista. Mesmo com o sacrifício da própria vida.

                                                       ROTA!!!!!

Referências.

CAMARA, Hely F. da. A Força Pública Paulista. Esboço Histórico. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 1982.

MELO, Edilberto de Oliveira. O Santo na Amazônia, e outras narrativas. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 1979.

TELHADA, Paulo Adriano L. L. Quartel da Luz, Mansão da ROTA. Histórias do Batalhão “Tobias de Aguiar”. São Paulo, Just Editora, 2011.

[1] O autor é Coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo, tendo servido por 11 anos no 1ºBatalhão de Polícia de Choque “Tobias de Aguiar” – ROTA (1993-2004). com especialização em Política e Estratégia pela USP, História Militar pela UNISUL e MBA Executivo pelo INSPER. Aluno do Mestrado em Segurança internacional e Defesa na Escola Superior de Guerra (ESG).