DOUTRINA DE USO PROPORCIONAL DE FORÇA

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Por Márcio Santiago Higashi Couto

INTRODUÇÃO

Constantemente, acompanhamos pelo noticiário, casos de supostos excessos, por parte de integrantes de órgãos de Segurança Pública, seja em uma abordagem a indivíduos suspeitos, ou na detenção de uma pessoa agressiva, ou na troca de tiros com marginais armados, ou na atuação contra manifestantes violentos, ou na dispersão de bailes ilegais.

Desde o primeiro momento, em que o homem passou a viver em sociedade, precisou de leis para regular as relações entre as pessoas, tendo como objetivo o bem comum. A palavra grega POLIS, significa CIDADE, dando também origem à palavra POLICIA, designando a atividade daqueles que devem manter a ordem e fazer com que as leis sejam cumpridas.

O Estado, isto é, a sociedade politicamente e juridicamente organizada, transmite aos seus funcionários o chamado “Poder de Polícia”, para agirem, como representantes legítimos da Sociedade, restringindo direitos individuais, em favor da Coletividade.

Quando pessoas cometem atos, que são contra a lei, ou pretendem cometê-los, cabe ao Estado, utilizar sua Força para impedir estes atos, e levar estas pessoas perante a Justiça. Esta Força deve ser proporcional, evitando excessos e utilizando o nível e a quantidade de Força necessária para vencer a resistência ilegal, ou defender-se da injusta agressão, respeitando os Direitos Humanos e os limites da lei.

Estes Níveis de Força devem ser definidos claramente, embasados em fundamentos legais, técnicos e morais. Portanto devem estar alinhados com a realidade jurídica e social da região onde são empregados, ensejando uma Doutrina de Uso de Força adequada à estas necessidades.

             A ONU adota duas normas, o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979 e os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de Agosto a 7 de setembro de 1999.      

            O Operador de Segurança Pública, ou Responsável Legal pela Aplicação da Lei , quando emprega a Força, pode utilizar o controle verbal, a força física, armas não letais e até mesmo, se a situação assim exigir, empregar armas de fogo, com força letal, tudo de acordo com a reação da pessoa em atitude suspeita ou do infrator da lei.   

Em 31 de Dezembro de 2010, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e o Ministério da Justiça, baixaram a Portaria Interministerial N°4226, estabelecendo diretrizes sobre o Uso da Força, por agentes de segurança pública, mas não se trata de um modelo de Uso de Força, mas de medidas à serem observadas, como a proibição de disparos de advertência, ou disparos durante perseguições a veículos, bem como determinando o treinamento e uso de armas não letais.

             No Brasil, não há um modelo padronizado do uso de Força, sendo que, pouquíssimos Órgãos de Segurança Pública, estaduais, possuem políticas de uso de Força, claras e definidas.

             As expressões mais utilizadas são Uso Progressivo da Força e Uso Diferenciado da Força. Mas, existem alguns questionamentos sobre estes termos. Nem sempre o uso da Força é progressivo, isto é, parte de um nível de Força mais baixo, para um mais alto.  Pode haver situações em que se começa com o emprego de um nível mais alto, mas as circunstâncias pedem que se diminua o nível de Força utilizado.

              E o que definiria o uso diferenciado de Força? Quais os critérios? Todos os modelos de uso de Força, em outros países, estipulam que a Força a ser empregada pelos Responsáveis pela Aplicação da Lei seja proporcional ao nível de ameaça ou perigo causado pelo infrator da lei.

              Respeitando normas internacionais e a legislação brasileira, um modelo de uso de Força deve ser baseado nos princípios da legalidade, da necessidade e da proporcionalidade.

Modelos de Uso de Força 

O Modelo FLETC de Uso de Força.

O Centro de Treinamento da Polícia Federal (Federal Law Enforcement Training Center – FLETC), em Illinois nos EUA desenvolveu em 1992 um sistema para o uso progressivo de força e de arma de fogo e que atualmente é seguido, ou serve como base para outros modelos semelhantes, por vários órgãos policiais nos Estados Unidos, de acordo com KINNAIRD (2003).

Baseando-se no conceito, amplamente aceito, de uso progressivo de força, possui cinco níveis de alternativas de força, referenciando a situação que o policial percebe, e sua resposta. A representação gráfica apresenta uma forma de pirâmide.

Os “andares” desta pirâmide são numerados de I a V e possuem cores, para diferenciá-los. Estas cores são de fácil correlação, acompanhando um espectro natural de mudança de cores, iniciando no azul, uma cor mais “amena”, terminando no vermelho, que representa “perigo”.

O uso gradual destas alternativas varia de acordo com a atitude do suspeito/criminoso. A verbalização, com ‘comandos verbais’ corresponde a uma atitude submissa. As resistências passivas e ativas correspondem à técnicas de controle de contato e técnicas de submissão. No caso de ameaça física agressiva, utilizam-se técnicas defensivas com armas não-letais. E por último no caso de uma grave ameaça física mortal o policial é autorizado a utilizar a força letal.

Figura 1. Modelo de Uso de Força FLETC.
Fonte: Federal Law Enforcement Trainnig Center.

O modelo Canadense

O Canadá apresenta como modelo nacional um gráfico na forma circular, com cinco níveis de intervenção policial, graduados também de acordo com sua gravidade e expressos através de um sistema de cores semelhante ao sistema FLETC, conforme GILLESPIE (1998).

É um sistema bem simples, de fácil visualização e compreensão, seguindo uma sequência lógica e proporcional do uso de força, de acordo com a reação ou atitude do abordado.

É interessante frisar que embora seja um modelo nacional, serve de base para que Departamentos de Polícia diferentes, como a Real Polícia Montada do Canadá, uma força federal e para a Polícia da Província de Ontário, uma força regional, pudessem desenvolver seus próprios modelos de uso de força.

Embora a base seja a mesma, há adequações quanto a política de uso de força de cada departamento, levando-se em conta tipos de equipamento empregado e formas de treinamento e atuação diferenciadas.

Figura 2. Modelo de Uso de Força Canadense.
Fonte: Traduzido do modelo da Real Polícia Montada do Canadá.

 

Outros Modelos

Existe uma grande variedade de Modelos de Uso de Força, adotados em países da Europa e nos Estados Unidos. A maioria segue a mesma ideia, diferindo principalmente na apresentação gráfica ou na ênfase a determinado procedimento, variando de acordo com a política de uso de força da corporação que o adotou.

 Alguns são modelos próprios para situação de controle de distúrbios civis, outros para ações táticas desenvolvidas por grupos especiais.

Como a maioria dos países que procuram normatizar o uso progressivo de força para seus órgãos de proteção da lei e da ordem é composta por países democráticos que respeitam os Direitos Humanos e seguem os preceitos internacionais de aplicação da lei, grande parte destes modelos de uso de força, seguem a mesma linha.

No Brasil, o Estado de Minas Gerais e o Distrito Federal se preocuparam em estabelecer modelos de uso de força para suas Polícias Militares, o que ajuda sobremaneira no treinamento e na fiscalização da atuação de seus Policiais.

A Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) mantém dois cursos na modalidade EAD (Ensino a Distância), sobre Uso de Força e sobre Armas Não-letais, que tem ajudado muito a difundir a ideia do emprego proporcional de força.  

Proposta de uma Doutrina de Uso Proporcional de Força. 

Segundo o Dicionário Aurélio (2018), doutrina é o conjunto de princípios que servem como base para um sistema. Estes sistemas podem ser científicos, religiosos ou até mesmo militares.

O termo doutrina está também relacionado a ensinamento, instrução. Em uma atividade como a de Polícia, o emprego do termo doutrina é mais importante ainda, porque seus ensinamentos devem ser transmitidos e assimilados plenamente por todos os integrantes da instituição.

Esta Doutrina de Uso de Força deve congregar valores, crenças, a parte informal da cultura organizacional, e principalmente a parte técnica e a parte legal, respeitando as leis do Brasil e Internacionais, além de observar critérios éticos e os Direitos Humanos.

A ONU adota duas normas, o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979 e os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de Agosto a 7 de setembro de 1999.

Em 31 de Dezembro de 2010 a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e o Ministério da Justiça baixaram a Portaria Interministerial N°4226, estabelecendo diretrizes sobre o Uso da Força por agentes de segurança pública, que não se trata de um modelo de Uso de Força, mas medidas à serem observadas, como a proibição de disparos de advertência, ou disparos durante perseguições a veículos, bem como determinando o treinamento e uso de armas não letais.

Níveis de Uso de Força.

 O policial dispõe de cinco níveis de Uso de Força, para empregá-los de acordo com a necessidade, de forma proporcional e respeitando o que a lei impõe. São eles:

  1. Procedimentos Operacionais;
  2. Comunicação;
  3. Técnicas de Defesa Desarmada
  4. Meios Não Letais; e
  5. Tiro Defensivo (Força Letal).

Estes níveis não são progressivos, mas proporcionais, e devem ser empregados de acordo com a situação de risco ou ameaça que está sendo enfrentada. O policial pode deparar-se com situações em que tenha que empregar recursos de mais de um nível, simultaneamente. Ou iniciar com um nível de força letal e ter que regredir para um meio não-letal, por exemplo.

Outro fator importante é que ao utilizarmos a proporcionalidade, afastamos o excesso. O nível e a quantidade de força serão apenas os necessários para vencer a resistência e controlar o agressor.

Procedimentos Operacionais.

O primeiro nível de Uso de Força são os Procedimentos Operacionais. A simples presença de um policial, teoricamente, deveria reprimir ou impedir a ocorrência de práticas criminosas. O policial representa a força coercitiva do Estado. Sua chegada ao local, já é uma demonstração dessa força.

Entretanto, esta presença precisa ser efetiva, principalmente na atividade de policiamento preventivo fardado, que é a atribuição constitucional das Polícias Militares, segundo o artigo 144 da Constituição Federal.

Esta presença policial só se torna efetiva, se forem seguidas normas e procedimentos corretos. O início de uma ocorrência pode comprometer todo seu desdobramento. Uma aproximação inadequada, a utilização de uma técnica errada ou o número insuficiente de policiais ou a falta de equipamento apropriado, podem comprometer todo o desdobramento da ocorrência.

Empregando os procedimentos operacionais.

Além de constituírem o primeiro nível de Uso de Força, os procedimentos operacionais serão empregados também em todos os outros níveis.

Os procedimentos operacionais serão utilizados quando o policial se depara com uma atitude suspeita, ou um infrator da lei.

A atitude suspeita constitui-se em uma série de indícios, que levam o policial a realizar um diagnóstico, fundamentado em sua capacidade de percepção, seu conhecimento técnico e em sua experiência profissional e pessoal (o chamado “tirocínio”), de que determinado indivíduo, ou indivíduos ou determinada situação, podem estar ligados a uma atividade criminosa. Esta suspeita pode ser confirmada como real ou não.

A situação do indivíduo infrator da lei é confirmada por informações concretas de que o indivíduo, ou indivíduos, estão no cometimento de um ato delituoso. Ou porque o policial viu o cometimento do ilícito, ou porque testemunhas, ou vítimas, apontaram, com certeza, o infrator da lei.

Comunicação.

Geralmente, somente a presença do policial no local não é suficiente para fazer cessar a intenção criminosa ou o cometimento da infração da lei. É necessário que o policial entre em contato com o suspeito, ou com o infrator, ou infratores da lei, e comunique-se, dando uma ordem com embasamento legal. 

A Comunicação é o segundo nível de Uso de Força. Geralmente alguns modelos de Uso de Força referem-se a este nível como “verbalização” ou “comandos verbais”. Se analisarmos profundamente, veremos que estes termos são incompletos.        Primeiramente, porque o tipo de contato com o suspeito ou infrator da lei, pode ser realizado através de gestos, e não pela voz, no caso de pessoas com dificuldades auditivas ou até mesmo pessoas que falem outros idiomas. Sendo assim, não haveria a verbalização.

Outro motivo, é que verbalizar, significa apenas falar. Sendo assim, um policial pode verbalizar muito, falar muito, mas o suspeito ou infrator não o está ouvindo, ou não está entendendo, por diversos motivos e não está cumprindo a ordem legal. Não houve uma comunicação.

Para entendermos melhor o conceito, analisaremos os componentes da  comunicação. O emissor, o receptor, a mensagem, o meio de comunicação, a resposta e o ambiente onde o processo comunicativo se realiza. O emissor é o agente de segurança pública. O receptor é o suspeito, ou infrator da lei ou infratores.

A mensagem é a ordem legal que está sendo dada. O meio de comunicação pode ser verbal, através de gestos, sinais, sons (como um apito, de um policial ou guarda responsável pelo trânsito), ou até, em alguns casos, escrito, utilizando-se cartazes ou faixas, além de modernos meios eletrônicos de mídia.

Na comunicação, é essencial que o receptor compreenda a mensagem, processe a informação e atenda ao que é ordenado. E o ambiente deve ser levado em conta. O estresse da situação, o barulho alto e a distância, podem causar um ruído na comunicação, o que irá atrapalhar seu entendimento.

Em virtude disso, a ordem legal precisa, quando for transmitida verbalmente, ser efetuada de forma firme, clara, concisa e na linguagem que o abordado entenda.    Alguns policiais confundem, falar de forma firme ou no tom adequado, com gritar.

Daí uma reclamação comum, referente à abordagem, diz respeito à maneira como “o policial chegou gritando comigo, sem motivo nenhum”. O próprio tom das palavras, quando ditas de forma ameaçadora e ríspida, podem encobrir seu significado.

Outros recursos para se fazer obedecer, são a persuasão, a mediação e a negociação. O policial precisa saber argumentar, se for o caso. Deve analisar a situação, e desde que não haja nenhum risco iminente à sua integridade física ou a de terceiros, pode tentar conversar, argumentar, persuadir e convencer o suspeito ou agressor da lei, a obedecê-lo.

A mediação de conflitos é, às vezes, confundida com gerenciamento de crises. A crise é um evento que foge à normalidade, e exige medidas específicas para sua resolução.

Um conflito é uma oposição de ideias, e grande parte das ocorrências atendidas pela polícia militar, são situações de conflitos. Uma briga de marido e mulher, som alto do vizinho, cliente insatisfeito, acidente de trânsito sem vítimas, são situações em que o policial se vê envolvido.

Ele deve atuar como mediador entre as partes, e não como parte da ocorrência. Se não for treinado, especificamente, para esta situação, irá gritar com todos, provocar mais polêmicas e até mesmo agredir desnecessariamente alguém, tudo porque não sabe portar-se como mediador de conflitos.

A comunicação com o infrator da lei, sempre deve ser tentada, a menos que a situação ofereça risco de vida para o policial ou para terceiros. Se possível, mesmo no caso de resistência, deve ser transmitido ao infrator da lei, que ele deve se render.

A maioria das pessoas reconhece que a abordagem é necessária, para reprimir a criminalidade. Mas o fato é que, ninguém gosta de ser abordado pela polícia. É uma situação constrangedora. Principalmente para aquela pessoa que nada deve para a justiça.

O tratamento correto na abordagem, minimiza o desgaste da situação. Dessa forma, cabe ao policial, constatando que o abordado se trata de um cidadão honesto, agradecer pela cooperação e explicar o motivo de abordagem.

Tão importante quanto treinar os policiais nos procedimentos técnicos e táticos da abordagem, é treiná-los para comunicarem-se melhor com as pessoas.

Técnicas Defensivas Desarmadas.

As Técnicas Defensivas Desarmadas são o terceiro nível de Uso de Força, e devem ser aplicadas quando o indivíduo não obedece às ordens dadas pelo policial, praticando a desobediência, ou quando o indivíduo tenta agredir o policial, não utilizando qualquer tipo de arma, praticando assim o crime de resistência.

Na maioria dos modelos de Uso de Força, este nível é classificado apenas como: “defesa pessoal”. Cabe esclarecer, que a defesa pessoal, pode ser realizada, com ou sem o emprego de armas. Portanto, defesa pessoal é um termo, que, embora muito utilizado, é incorreto, pois neste nível, o policial irá defender-se sem empregar qualquer tipo de armamento, utilizando apenas a habilidade do seu corpo.

Nos dois primeiros níveis de Uso de Força, os Procedimentos Operacionais e a Comunicação, o policial evita empregar de violência, para resolver a situação.

O agente de segurança pública procura utilizar sua presença, e suas habilidades de comunicação, para conseguir que se cumpra a lei, sem recorrer a métodos coercitivos. Entretanto, nem sempre, o diálogo pode convencer um infrator da lei, a não cometer, ou parar de cometer, um delito.

Quando o policial dá uma ordem legal, e o indivíduo não a obedece, apesar de haver entendido a ordem, passa a cometer assim, o crime de desobediência, tornando-se um infrator da lei, e, mesmo que de forma passiva, simplesmente ficando parado e não obedecendo, autoriza a Polícia a utilizar força física, para obrigar o infrator a cumprir a ordem.

Dependendo das condições, o policial pode passar para o nível de Técnicas Defensivas Desarmadas Casos em que o indivíduo fica parado, sentado, deitado ou agarrado a um objeto, negando-se a sair do local, sem agredir ao policial, configuram a desobediência.

Esgotados todos os meios pacíficos, o policial terá que empregar a força física e técnicas defensivas desarmadas apropriadas, para retirar o infrator do local.     

O mesmo pode acontecer quando o infrator da lei simplesmente sai correndo. A fuga, em si, não é um ato violento, não configurando a resistência, mas o policial pode agarrar ou segurar o indivíduo em fuga.

Outra situação semelhante é quando um indivíduo tenta passar por uma barreira policial, sem agredir ninguém. Pode ser usada a força física para contê-lo.

Lembrando que a quantidade de força defensiva desarmada, deverá ser a suficiente para apenas conter ou dominar o infrator da lei ou o agressor, e colocar as algemas, se for o caso. Existe uma legislação para o emprego de algemas, e a resistência autoriza que elas sejam utilizadas, sendo obrigatório o registro do fato,

As técnicas e os golpes precisam ser simples, eficientes, fáceis de treinar e memorizar. Além disso, como não se trata de arte marcial e sim um treinamento de atuação policial, deve-se evitar a utilização de quimonos ou roupas de ginástica nos treinamentos.

O policial deve utilizar seu uniforme de serviço, de preferência o seu equipamento, que utiliza cotidianamente. Não é necessário o uso de um tatame ou dojô, como local de treinamento, mas um simples gramado, para amortecer as quedas, será apropriado.

Meios Não Letais.

O quarto nível de Uso de Força é o emprego de Meios Não Letais.  Existem várias designações para este tipo de recurso. Armas Não Letais, Armas Menos Letais, Armas de Baixa Letalidade, Armas Semi Letais, Armas Intermediárias, Armas de Menor Potencial Ofensivo ou Armas Alternativas.

Existem correntes que defendem o emprego do termo Armas Não Letais, por serem armas desenvolvidas e construídas para causar a debilitação ou incapacitação do atingido, sem lhe causar a morte.

O Coronel da Reserva do Exército dos Estados Unidos, John B. Alexander, em sua obra Armas Não Letais- Alternativas para os Conflitos do Século XX, diz que “A definição de armas não-letais tem seu ponto focal mais no objetivo do que na descrição do sistema”. ALEXANDER (2003, p. 85). Sendo assim, o objetivo é não causar a morte dos atingidos, mas colocá-los fora de ação ou tirar-lhes a vontade ou a capacidade de lutar. 

 Classificação dos meios não letais.

Os Meios Não Letais se dividem em três categorias, Armas Não Letais, Munições Não Letais e Equipamentos Não Letais.

Arma Não Letal é qualquer instrumento de ataque ou defesa destinado a debilitar ou incapacitar temporariamente uma pessoa ou material, sem causar graves danos ou a morte. No Brasil, os exemplos mais comuns seriam o cassetete, a tonfa, o espargidor de gás pimenta, e as armas de choque elétrico (como a taser).

Munição Não Letal são implementos, normalmente utilizados uma só vez, que podem ser disparados através de armas letais, ou não letais, ou lançados manualmente, e tem como objetivo causar a debilitação ou incapacitação temporária de pessoas ou materiais, sem causar graves danos ou a morte.

No Brasil, temos como exemplos as balas de borracha (elastômero), granadas explosivas ou de queima, com agentes fumígenos ou lacrimogêneos como OC (pimenta) CN e CS.

Equipamento Não Letal é o equipamento de proteção individual ou coletiva que aumenta as chances de sobrevivência e segurança do Agente da Lei. Capacetes, coletes, perneiras e escudos anti tumulto e capacetes, coletes e escudos a prova de balas, bem como blindagem em veículos.

Portanto, uma espingarda calibre 12, normalmente é uma arma letal, mas pode ser carregada com munição não letal de borracha.

Emprego de meios não letais

Deve ser obrigatória a utilização de pelo menos uma arma não letal para todos os policiais que se encontram no serviço operacional.

Recorrendo-se ao princípio da proporcionalidade, quando o agente for atacado com armas, que não sejam armas de fogo, pode utilizar armas não letais para defender-se. Mas mesmo que o agressor esteja desarmado, os policiais podem utilizar armas não letais nas seguintes situações:

  1. Os agressores estão em superioridade numérica;
  2. O agressor ou agressores são muito mais fortes do que os policiais, ou possuem reconhecida habilidade em artes marciais, impossibilitando o emprego de técnicas de defesa desarmada;
  3. O agressor ou agressores estão mentalmente perturbados sob efeito de drogas ou álcool, ou sob forte emoção, e estão extremamente agressivos;
  4. O agressor ou agressores são portadores de reconhecida doença infecto-contagiosa grave e estão extremamente agressivos;

Escalonamento no uso de meios não letais.

Existe um escalonamento no emprego dos meios não letais. De acordo com a situação e levando em conta o princípio da proporcionalidade, após comunicar ao agressor que irá utilizar meio não letal contra ele, o policial deve procurar empregar aquelas armas que causarão menos danos ao infrator da lei e evitar o contato direto entre o agressor e o agente.

Pode haver uma inversão na sequência de utilização destas armas não letais, dependendo da situação, mas lembrando-se também, do princípio da necessidade. Deve avaliar-se a necessidade e a oportunidade, de utilizar determinado tipo de arma não letal. Podem ser usadas, em conjunto, mais de um tipo de arma ou munição.

No caso de uma situação em que vários policiais estão envolvidos, como uma manifestação ou um tumulto, é necessário haver comando. O policial, com maior autoridade no local, deve assumir o comando.

O uso de armas não letais, nessa situação é somente mediante ordens. A quantidade de tiros ou granadas e em quem se devem atirar ou lançar, são determinados pelo comandante. Os policiais que fazem o uso das armas não letais devem ser apenas aqueles que foram treinados para isso, e devidamente identificados.

Cabe a cada órgão de Segurança Pública providenciar uma ampla gama de opções de meios não letais, para serem empregados em cada tipo de situação, mantendo o suprimento constante e que estejam dentro do prazo de validade.

O órgão de Segurança Pública deve ainda providenciar o treinamento contínuo e adequado de seus homens, com os meios não letais, implantando estágios específicos de habilitação para utilização de armas e munições não letais, especialmente no uso de balas de borracha e granadas, estabelecendo também a obrigatoriedade de um teste de aptidão periódico. Só deve utilizar meio não letal, o policial militar devidamente habilitado para isso.

Tiro Defensivo (Uso de Força Letal)

O quinto nível de Uso de Força é o Tiro Defensivo, ou Uso de Força Letal. Na Polícia Militar do Estado de São Paulo é empregado, desde 1998, o Tiro Defensivo na Preservação da Vida, de autoria do Coronel da Reserva Nilson Giraldi, no caso de opção de Uso de Força Letal.

Utilizando técnicas de tiro e procedimentos policiais e embasada nos valores policiais militares, nas normas e legislação vigentes e no respeito aos Direitos Humanos, é amplamente reconhecido, entretanto trata-se de doutrina para utilização de uso de arma de fogo, não substituindo uma Doutrina sobre uso de Força, que aborde todos os cinco níveis.

Atualmente, na PMESP, um policial militar só pode utilizar a arma de fogo para a qual foi especificamente habilitado, existindo ainda o teste de Aptidão de Tiro (TAT), anual, que verifica, periodicamente, as habilidades do policial no emprego de sua arma de fogo.

Quando o agressor, infrator da lei, coloca em risco, atual ou iminente, a vida de pessoas inocentes, utilizando a arma de fogo, ou outros meios, o policial pode utilizar força letal contra ele, desde que o agressor apresente perigo para vida de inocentes, e tenha a capacidade e a intenção de fazer mal aos outros e seja necessário e oportuno para o policial utilizar a arma de fogo contra o agressor.

Deve ser o último recurso, e somente deve ser empregado para salvar vidas de pessoas inocentes. Apenas se não houver a possibilidade de controlar o agressor, empregando outro dos níveis de uso de força, o policial deve utilizar sua arma de fogo.   

 GUIA DE USO PROPORCIONAL DE FORÇA

USO PROPORCIONAL DE FORÇA

Antes de fazer uso da força legal o Policial deve avaliar se há realmente NECESSIDADE de utilizá-la, se a ação tem LEGALIDADE e observar a PROPORCIONALIDADE no seu emprego.

NÍVEL

AÇÃO DO INFRATOR DA LEI

REAÇÃO DO POLICIAL

NÍVEL 1

INTENÇÃO CRIMINOSA OU ATITUDE SUSPEITA

 

PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS

Aproximação.

-Posicionamento.

-Cobertura (nunca atuar sozinho).

-Uso de proteções (coberta e abrigo).,

-Seleção e posição de arma.

NÍVEL 2

INFRAÇÃO DA LEI

Atitude Suspeita ou prática de crime.

Cooperação.

-Obedece a ordem, cooperando.

Desobediência. (art. 330 do CP).

  -Desobedece a ordem legal sem oferecer nenhum tipo de resistência ativa

 

VERBALIZAÇÃO

Verbalização. 

-Empregar algemas, se houver resistência

NÍVEL 3

LEVE RESISTÊNCIA

-Continua desobedecendo a ordem, mesmo após várias reiterações.

-Tenta fugir, forçar a passagem ou agredir o Policial sem o uso de qualquer tipo de arma.

 

 

USO DEFENSIVO DE FORÇA FÍSICA

-Empregar algemas.

NÍVEL 4

FORTE

RESISTÊNCIA

 -Tenta agredir o Policial utilizando qualquer tipo de arma, exceto arma de fogo.

-Mesmo desarmado, enquadra-se em uma das seguintes situações:

  -Demonstra força fora do normal ou perícia em artes marciais.

 -Os infratores estão em superioridade numérica e agressivos.

 -O infrator encontra-se mentalmente perturbado (drogado, bêbado ou sob forte emoção) e violento.

 -O infrator é identificado como portador de doença infectocontagiosa grave e está agressivo.

 

 

 

USO DEFENSIVO DE ARMAS E MUNIÇÕES NÃO-LETAIS

-Utilizar a força física, se necessária, após o uso de arma não-letal para a colocação de algemas.

NÍVEL 5

PERIGO

CONTRA A VIDA

-Coloca em risco, atual ou iminente, a vida de pessoas inocentes, inclusive a do próprio Policial.

-Utiliza arma de fogo contra pessoas inocentes.

-Apresenta perigo, capacidade,  intenção e oportunidade.

 

 

TIRO DEFENSIVO

(USO DA ARMA DE FOGO)

 
               

Figura 3. Modelo de Uso Proporcional de Força. 
Fonte: Elaborado pelo autor.

Conclusão                                                     

A missão principal dos Órgãos de Segurança Pública é preservar vidas. Da(s) vítima(s), de outras pessoas inocentes (terceiros), do operador de Segurança Pública e até mesmo do infrator da lei, quando possível. Proteger as pessoas, respeitando todos os tipos de diversidade humana, como idade, sexo, cor, orientação sexual, classe social ou econômica, nível cultural ou ideologia política.                             

Fazer cumprir as leis e combater o crime também são atribuições dos órgãos de Segurança Pública. Uma das missões das Polícias Militares, segundo o artigo 144 da Constituição Federal é a Preservação da Ordem Pública.

Toda Doutrina de Uso de Força deve ser baseada principalmente no respeito à vida humana, em primeiro lugar. Bens materiais nunca devem ser mais importantes que vidas. Qualquer ação policial que poderia colocar em risco a vida de pessoas inocentes, deve ser evitada.

Por exemplo, em uma perseguição, ou durante um confronto, o operador de segurança pública deve avaliar se sua ação irá expor pessoas inocentes ao risco de serem mortas.

Um infrator da lei que foge, pode ser preso outro dia. Um pai de família atropelado e morto, ou uma criança atingida por “bala perdida” não tem retorno. E para os familiares dessa vítima, não importa muito saber se o tiro partiu da arma do ladrão ou da arma do policial.

Quanto ao princípio da legalidade. Esta proposta é adequada aos princípios internacionais de Uso de Força e às exigências da legislação brasileira em vigor atualmente. O Operador de Segurança Pública estará agindo de acordo e com o amparo da lei.

De acordo com o princípio da necessidade, o objetivo maior desta proposta de Doutrina é a preservação de vidas. A vida do policial, de possíveis vítimas, de terceiros e do próprio infrator da lei. Só se deve fazer uso de força letal, se for para salvar a vida de pessoas inocentes.

Aplicando-se o princípio da proporcionalidade, para cada tipo de ação do infrator da lei há, proporcionalmente, uma reação por parte do policial. O tipo de Força, sua duração e intensidade irão depender da situação. O objetivo é a cessação da agressão ou da resistência e a colaboração do infrator da lei. Utilizar somente a força necessária, evitando o excesso ou o uso inadequado, reduzindo a violência policial e a letalidade

O emprego de algemas, também pautado pela legislação brasileira é contemplado neste modelo.

Procuramos utilizar um quadro de fácil interpretação e assimilação, utilizando um código de cores e estabelecendo níveis de perigo.

Os níveis não são progressivos, tendo em vista que há situações onde podemos empregar três níveis ao mesmo tempo (comunicação, técnicas defensivas desarmadas, uso de meio não-letal, por exemplo).

Todo órgão de Segurança Pública necessita de uma Política de Uso de Força, clara e objetiva, afim de nortear todo o treinamento e o seu emprego operacional. Uma Doutrina de Uso de Força definida, facilita a instrução e a padronização de procedimentos operacionais.

Lembramos que por melhor que seja, qualquer modelo de uso de força não irá englobar todas as situações possíveis, ou ser à prova de falhas. Entretanto, deve ser encarado como regra e as exceções devem ser devidamente estudadas, justificando-se ou corrigindo-se posturas, quando necessário.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

ALEXANDER, John B. Armas Não-Letais – Alternativas para os Conflitos do Século XXI. Rio de Janeiro: Welser-Itage. 2003.

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CORDEIRO, Bernadete M. P. Elementos para a criação de uma matriz curricular sobre o uso da força. Cadernos Temáticos da Conseg N.º 5, Ano 01. Uso progressivo da força: dilemas e desafios. Brasília, DF: Ministério da Justiça, 2009.

CORRÊA. Marcelo Vladimir. Apostilas do Curso de Uso Legal da Força. SENASP, 2006.

GILLESPIE, Thomas T., et al.. Police – use of force – A Line Officer’s Guide Shawnee Mission. Kansas, USA. Varro Press, 1998.

GIRALDI, Nilson, Cel RR PMESP. Manual de Tiro Defensivo de Preservação da Vida, São Paulo, PMESP,1997.

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Márcio Santiago Higashi Couto– Coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo, onde serviu por trinta e dois anos. Graduado e pós-graduado com mestrado e doutorado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pela Academia de Polícia Militar do Barro Branco, aluno do mestrado em Segurança Internacional e Defesa pela Escola Superior de Guerra (ESG) e pós-graduado em Política e Estratégia pela USP. Serviu durante onze anos no 1ºBPChq “Tobias de Aguiar”- ROTA, comandou Companhias de Choque e de Força Tática e trabalhou em várias unidades de Policiamento Territorial. Foi Professor e coordenador dos cursos de Patrulhamento Tático de ROTA, Força Tática, Tiro Defensivo na Preservação da Vida- Método Giraldi e do Curso de Técnicas Básicas de Utilização de Equipamentos Não letais e Defesa Pessoal da Polícia Militar do Estado de São Paulo