(Grupo de Ações Táticas Especiais)
Um Tema de alta complexidade e baixa publicidade
Por Valmor Saraiva Racorti
INTRODUÇÃO
Os profissionais imbuídos da missão de manutenção e preservação da Ordem Pública jamais estarão preparados para todas as situações caso se mantenham inertes às evoluções do crime e das modalidades criminosas. Assim sendo, os agentes de segurança pública devem buscar constante atualização das técnicas, táticas e procedimentos empregados nas diversas ocorrências policiais. Entretanto existem situações limites em que a força letal da polícia é desejada por parte do próprio causador da crise.
No Estado de São Paulo, a Policia Militar conta com unidades especializadas para o apoio à Sociedade Paulista em situações extremas, atualmente o Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE) se destaca na intervenção em crises complexas de Segurança Pública como: criminosos com reféns, sequestradores escondidos em locais de difícil acesso, ações de terrorismo , suicidas armados, ações antibomba e contrabomba – como desativações, remoções e detonações controladas de artefatos explosivos –, rebeliões em presídios e outras missões que o Comando da Instituição julgue cabível o apoio desta tropa especializada.
Ocorre que o GATE possui grande investimento em equipamentos específicos, a exemplo de: fuzis de precisão para a missão de sniper, trajes antibombas, robôs com câmeras e braços manipuladores, escudos, capacetes balísticos, entre outros. Além de contar com um altíssimo investimento intelectual como: conhecimento de psicologia e neolinguística (principalmente para aplicação por parte da equipe de negociação), cursos nacionais e internacionais para aprimorar as técnicas e táticas empregadas, entre outros.
A possiblidade de maior especialização tem como consequência direta dois aspectos:
- Grande número de ocorrências por parte do Grupo, sendo mais de 430 em crises com reféns, em presídios rebelados e suicidas armados e mais de 1000 em crises atinentes ao esquadrão de bombas. Gerando “know-how” e obrigatoriedade em realizar estudos de casos e treinamentos não rotineiros.
- Contato com diferentes tropas do mundo dialogando sobre diversas matérias, gerando, consequentemente, uma missão inerente às tropas especializadas: ser um polo difusor de conhecimento interna e externa corporis.
Por estes motivos o Grupo busca constante contato com diversas tropas do mundo a fim de entender quais ocorrências podem causar maiores impactos na sociedade e prejudicar o “bem comum” tão almejado pela Legislação nacional. Atualmente o GATE estuda, discute e treina à exaustão um assunto pouco discutido no métier policial: “Suicídio por policial” e justamente é este o foco deste trabalho. Busca-se por meio deste artigo disseminar o conhecimento aprendido na teoria e na prática a fim de colaborar com as diversas Instituições Policiais.
SUICÍDIO POR POLICIAL
A expressão “Suicídio por Policial” advém da tradução da expressão utilizada nos Estados Unidos da América: “Suicide by Cop”. Refere-se ao indivíduo que deseja que sua vida tenha fim imediato, mas na ausência de coragem para cometer o suicídio – ou outras motivações que serão explanadas adiante– , cria um cenário para que a Polícia seja obrigada a reagir à sua agressão, e responder com força letal.
Lato sensu, existem dois tipos de suicídio por policial que as tropas policiais têm observado. O primeiro é o indivíduo infrator que já cumpriu sanção penal em determinado momento de sua vida e, que ao voltar a cometer um crime e ser encurralado pela Polícia, prefere provocar um tiroteio e ser alvejado mortalmente, do que voltar para ao cárcere. O segundo tipo são pessoas que não necessariamente possuem antecedentes criminais, mas que por situações variadas já estão pensando no suicídio e, como no caso anterior, usam a Polícia como ferramenta para atingir seu objetivo.
A tendência de aumento de doenças que podem levar ao pensamento no suicídio, a exemplo da depressão, é um mal que acomete todo o mundo e não é diferente em São Paulo, onde as ocorrências com suicidas e emocionalmente perturbados atendidas pelo GATE apresentam uma crescente. Diversas são as ocorrências em que o causador passou minimamente por três momentos distintos:
- Pensamento de morte, quando o indivíduo cogitou que estar morto seria uma opção melhor a estar vivo;
- Ideação suicida, algumas vezes não estruturada e outras estruturada, ou seja, ideando o modo como irá morrer e quais ferramentas utilizará para este ato;
- A tentativa ou a execução do suicídio, quando o indivíduo de fato busca dar fim a sua vida, ou decide agredir uma equipe policial para que esta faça isso (suicídio por policial).
Recentemente o GATE atuou em ocorrências em que o causador demonstrava elementos de suicídio por policial, afirmando frases do tipo: “Entra aqui e me mata! Me pega logo! Por que vocês não fazem isso? Vocês são covardes? Vocês estão com medo? Pode me matar! Dá logo um fim nisso tudo!”. Em crises deste porte faz-se necessário, primeiramente observar as posturas do causador da crise, buscando ao máximo entender suas motivações, os meios que dispõe, o cenário, entre outros elementos.
Além das análises supracitadas é de suma importância que os agentes de segurança entendam que o objetivo primordial da polícia neste tipo de operação é preservar a vida de todos os envolvidos, incluindo os agressores. Estes, via de regra, estão sob forte estresse emocional e por vezes sob efeito de psicotrópicos que potencializam seu comportamento errático e imprevisível.
Para deixar a situação ainda mais delicada, além de representar uma ameaça iminente para si próprio, é comum que o causador coloque em risco a vida de outras pessoas, geralmente familiares e parceiros amorosos, e obviamente os Policiais que estão no local.
Em ocorrências assim, raramente a alternativa tática de Negociação consegue criar um clima de confiança e cooperação, já que o causador não segue padrões lógicos. Por este motivo o processo exige continuas adaptações e uso de múltiplas de técnicas e por vezes necessidade de emprego de outra alternativa tática, por exemplo a invasão, majoritariamente com técnicas de menor potencial ofensivo no caso do suicida.
(Membros da equipe de negociação do GATE)
HISTÓRICO
Temas deste porte exigem estudos aprofundados, incluindo o histórico e os comportamentos de suicidas por policial em outros locais do mundo. Os primeiros artigos documentando esses casos apareceram na Inglaterra em 1981, mas hoje já existem mais estudos a respeito deste tema.
O termo atual, “Suicídio por Policial” foi analisado pela primeira vez pelo Policial e Psicólogo americano Karl Harris em 1983. Um trabalho mais recente, publicado no “Journal of Forensic Studies”, em 2009, examinou mais de 700 tiroteios nos Estados Unidos e classificou 252 (36%) como suicídios por Policiais. O documento também sugeriu que a frequência destes incidentes estava em alta.
Nos EUA, estudos afirmam que apenas 13% das mortes aparentes por suicídio por policial foram planejadas, na medida em que uma carta foi deixada absolvendo os agentes envolvidos de irregularidades. No Brasil são poucas as pesquisas ou estatísticas sobre o assunto, pois o tema é recente e os estudos começaram a aparecer somente em 2008. No GATE esses casos vem aumentando a cada ano, até o início de dezembro de 2018 o grupo atuou em 22 ocorrências desse tipo, um recorde histórico.
(Ocorrências reais, atendidas pelo GATE, com indivíduos com comportamento de suicídio por policial)
MOTIVAÇÕES
A literatura especializada apresenta várias situações que levam uma pessoa a provocar sua morte através de confronto com a Polícia. Para o GATE é muito importante estudar e entender essas motivações, pois cada uma exige uma abordagem diferente para sua solução. Abaixo estão algumas situações descritas em manuais e artigos internacionais que versam sobre este assunto:
- Motivos relacionados a valores sociais: Em muitas culturas e religiões existe um forte estigma associado ao suicídio. Se um indivíduo acredita que esse ato é um pecado, ele pode não ser capaz de realizá-lo. Ele usa então um processo de racionalização: se conseguir morrer através de um Policial puxando o gatilho ao aplicar a lei, então, essencialmente, ele não foi vítima de si mesmo, mas de um homicídio feito pela Polícia, e por isso sua morte é aceita.
- Motivos de culpa: O exemplo mais comum é do indivíduo que mata outra pessoa, muitas vezes um membro da família, intencionalmente ou não. Impossibilitado de conviver com essa culpa e sentindo o pesado julgamento da sociedade, acredita que a única maneira de resolver a situação é também morrer de forma violenta e para isso recorre ao suicídio por Policial.
- Motivos passionais: Essa pessoa precisa ser percebida como uma vítima, e expressar suas frustrações diante de uma audiência para culpar terceiros por sentimentos relacionados a uma situação amorosa desfavorável. Infelizmente os indivíduos que se encaixam nessa categoria possuem maior probabilidade de matar seus reféns, para amplificar a mensagem do seu ato. Nesses casos as negociações costumam ser longas e com resultados positivos mais difíceis de serem atingidos.
- Motivo de grandeza e atenção: Normalmente se encaixa nessa categoria o criminoso narcisista que julga que, ao ser morto pela Polícia, se transformará num mito, que será notícia e objeto de estudos. Este tipo de indivíduo apresenta grande potencial de violência para os Policiais, e deve ser considerado entre os mais perigosos, já que está decidido a não se entregar.
- Retorno para a prisão: Esse motivo também está relacionado com marginais que, ao serem pegos pela Polícia num ato criminoso, preferem ser mortos num confronto do que retornar para um presidio. Como no caso anterior, é uma situação muito perigosa, com baixo potencial de sucesso na negociação.
- Motivos financeiros: As apólices de seguro de vida não incluem suicídios, mas se o indivíduo for morto num confronto com a Polícia, a família pode receber o dinheiro, fazendo com que ser morto por agentes de segurança passe a ser uma opção viável. Essa situação pode acontecer com pessoas que estão fortes dificuldades financeiras, ou até com doenças terminais, e que desejam deixar uma estabilidade para a família.
- Drogas e ou álcool: A intenção suicida nos casos de pessoas intoxicadas ou drogadas é mais difícil de ser estabelecida, já que suas ações podem ser alteradas pelo abuso dessas substâncias, aumentando seu potencial de violência, ou de suicídio. Nesses casos há necessidade de se pesquisar antecedentes pessoais, profissionais e familiares para classificar com segurança se o confronto com a Polícia é um desejo de ser morto ou não.
CONCLUSÃO
Nos casos de suicídio por policial, as equipes policiais devem manter atenção especial para o estrito cumprimento do dever legal, o objetivo principal é de preservar a vida de todas as pessoas envolvidas, inclusive a dos causadores de crise. Uma ocorrência com resultado óbito jamais será desejada. Deve-se, pois, possibilitar treinamos extensivos para que o conhecimento seja amplamente divulgado, para que os protocolos e procedimentos operacionais sejam implementados de forma rápida, correta e decisiva.
Os suicídios por policial não são necessariamente planejados com grande antecedência, na verdade, a maioria dos suicídios por policiais era uma noção quase conceituada pelo perpetrador. O causador pode não ter a intenção de se matar até que, por algum motivo, a polícia seja chamada a intervir, como em casos de ocorrências com violência doméstica, ou indivíduo mentalmente perturbado e o causador tome esta decisão inesperada.
Majoritariamente as equipes especializadas não dão o primeiro atendimento nas ocorrências, portanto dependendo da dinâmica de cada crise, o primeiro policial a intervir pode ser o tomador de decisões cruciais. Por isso o trabalho de Grupos Especiais não se limita em treinar e operar, mas primordialmente dar treinamentos, instruções e possibilitar que os operacionais que atendem ocorrências variadas possam entender as peculiaridades e riscos de um suicida por policial.
Atualmente a motivação para o suicídio por policial não é um tema central nas discussões de Segurança Pública e pouco atinge o interesse dos cidadãos em geral. Entretanto é de suma importância para o falecido, seus entes e o policial que pode puxar o gatilho, completando o desejo suicida do indivíduo.
Valmor Saraiva Racorti é Major da Policia Militar do Estado de São Paulo atualmente comanda o Grupo de Ações Táticas Especiais.
Valmor Saraiva Racorti, 46 anos, é Ten Cel de Polícia Militar, atualmente classificado no 4º BPChq – GATE, exercendo a função de Coordenador Operacional do 1BPCHQ desde setembro de 2019.
Experiência profissional
Foi Comandante de Pelotão de ROTA no 1º BPChq “Tobias de Aguiar” (1994 a 2006);
Chefe Operações do Copom (2006);
Oficial de Segurança e Ajudante de Ordens do Governador do Estado (2007 – 2014);
Comandante de Companhia de ROTA no 1º BPChq “Tobias de Aguiar” (2014-2016);
Comandante do GATE (2016-2019l);
Coordenador Operacional ROTA (2019 – 2020 );
Comandante do Batalhão de Operações Especiais ( 2020- Atual)
Formação acadêmica
Curso Preparatório de Formação de Oficiais (1990-1991);
Curso de formação de Oficiais – Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública (1992-1994);
Curso aperfeiçoamento Oficiais – Mestrado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Publica. (2012);
Curso Superior de Policia- Doutorado em Ciencias Policiais DE Segurança e Ordem Publica(2020)
Possui graduação em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul (2004);
Publicações
A atuação das forças policiais no combate às drogas. Jus Navigandi ISSN 1518-4862 e Jusmilitaris ISSN: 2177-9945 (2012).
Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22906/a-atuacao-das-forcas-policiais-no-combate-as-drogas;
A Polícia Militar e a proteção de autoridades durante a Copa do Mundo. Jus Navigandi ISSN 1518-4862 e Jusmilitaris ISSN: 2177-9945 (2012).
Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22722/a-policia-militar-e-a-protecao-de-autoridades-durante-a-copa-do-mundo.